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Programa resgata jovens da violência

Há um perfil de jovem no Brasil, com idade entre 15 e 24 anos, que é ignorado pela família, marginalizado pela sociedade, excluído da escola e abandonado pelo Estado. Sua voz é ouvida apenas quando tem uma arma na mão. Aí se sente forte e imagina ser respeitado, mas passa a viver em conflito com a lei. Muitas vezes é “invisível” e acaba sendo cooptado pelo crime organizado.
É para essa geração de excluídos que o Ministério da Justiça criou o Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), que tem como um dos objetivos articular ações de repressão, prevenção, sociais e de resgate dos Direitos Humanos, como, por exemplo, dar-lhe um registro de nascimento ou documento de identidade, além oferecer cultura e esportee. Qualificação profissional e inclusão digital.
Um dos pensadores e executores do Pronasci é o consultor do Banco Mundial Hélio Ricardo Machado Lôpéz. Gaúcho, aos 37 anos, formado em Educação Física e doutorando em Psicologia, ele se refere ao programa com entusiasmo, diz que em menos de um ano os resultados já são positivos, principalmente no Recife e revela que um dos seus sonhos é ver o Pronasci sendo executado em toda Zona Metropolitana da Capital paraibana. Hélio Lôpéz veio a João Pessoa para se casar e recebeu o Correio para esta entrevista.

A entrevista
– O que é o Pronasci?
– É o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, que tenta articular junto com as ações de repressão policial, os aspectos preventivo e social que a Segurança Pública necessita.

– O que justificou a opção por essas ações conjuntas?
– Só a repressão não dá conta, de abarcar todo o fenômeno que a criminalidade e a violência percorrem no trajeto social.

– É uma interpretação nova do fenômeno da violência?
– O que nós propomos com o Pronasci é uma quebra de paradigmas, da repressão, do armamento, de equipamento e aparelhamento das policiais, para também trabalharmos com as questões sociais, com projetos sociais que são vinculados e interferem direta ou indiretamente na violência.

– Que tipo de interação esses projetos têm para proporcionar essa nova visão do combate à violência?
– Com a quebra desse paradigma, o contexto da criminalidade passou de ser só repressão para ser também de prevenção. E na prevenção entram os projetos sociais. Nós acreditamos que através da educação, da cultura, do esporte, do lazer, de espaços que possam ser re-significados dentro da própria sociedade, isso pode fazer com quem, indiretamente, os índices de criminalidade diminuam.

– Como isso acontece na prática?
– O que é que o Pronasci pega? A Educação para os jovens, de 15 a 24 anos, que é o nosso público alvo e a partir daí começa a fazer um incremento de políticas públicas dentro dessas áreas.

-O senhor poderia especificar como isso ocorre?
– Nós fizemos uma série de parcerias, de convênios interministeriais. O Ministério da Justiça aporta recursos nos ministérios parceiros, como por exemplo, nos ministérios Esportes e da Cultura, da Saúde, da Ciência e Tecnologia e do Trabalho e Emprego, fazendo com esses ministérios que têm seus técnicos e sua expertise em cada uma de suas áreas possam apoiar os projetos do Pronasci.

– Já há algum projeto que tenha apresentado resultados positivos?
– Um projeto com muito sucesso é o Pelc – Programa de Esportes e Lazer nas Cidades, que trabalha com a capacitação e a formação de mobilizadores sociais.

– Como isso ocorre?
-O Pelc junto com o Pronasci chega à comunidade identifica as lideranças, mapeia os trabalhos que já vêm sendo desenvolvidos e a partir daí ele aporta recursos, garante que os projetos tenham andamento e, ao mesmo tempo, traz coisas novas, como ping pong, capoeira, hip hop, dança, uma série de outros elementos culturais que se o jovem tiver engrenado nessa estrutura social, como esporte e lazer, a tendência de que ele vá para a criminalidade pé muito menor.

– Além das lideranças qual o outro público alvo desses programas?
– Os jovens que podem se tornar multiplicadores da cidadania. A partir do momento que eles entram no projeto, passam a ser um agente potencializador da cultura de paz. Ele vai angariando e recrutando outros jovens, que também passam por dificuldades, na ociosidade ou em conflito com a lei ou em iminente conflito com a lei. A partir do momento que o jovem tem esse espaço onde possa se expressar e produzir, que ele possa ter, principalmente, o protagonismo social, esse jovem passa a integrar a cultura de paz. E aí o processo de violência juvenil vai diminuir.

– Que perfil a cidade precisa ter para se integrar ao programa?
– Quando pensamos o Pronasci, pensamos primeiro para aquelas capitais violentas e suas respectivas regiões metropolitanas. Mas em qualquer programa ou projeto tem que se identificado aquilo que chamamos como ponto de corte, que é o critério para dizer esse Estado entra esse não; essa cidade entra essa não.

– Como se chegou a escolhas dos Estados ou cidades que seriam beneficiadas?
– A partir de uma linha histórica que fizemos desde 2001, junto com os técnicos da Secretaria Nacional de Segurança Pública, nós evidenciamos que a faixa etária que mais sofria violência era a de 15 a 24 Anos. E que as regiões metropolitanas onde essa violência incidia eram Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte, Salvador, Vitória e Rio Branco, e a partir do momento que estabelecemos essas capitais, estabelecemos também critérios para elas.

– E quais são esses critérios?
– O número de homicídios por cem mil habitantes. E qual é esse número? Cinqüenta homicídios/ano na faixa etária de 15 a 24 anos, que é a faixa etária em que mais incide a violência e a que mais gera a violência também.

– O que inspirou o Pronasci, como o governo chegou à conclusão de que era preciso conceber um projeto interdisciplinar de resgate da cidadania?
– isso foi uma demanda social, um clamor da própria sociedade. O ministro da Justiça, Tarso Genro nos pediu um projeto que trabalhasse educação, cultura, lazer, integrado com a repressão policial. E foi daí que surgiu o Pronasci, que trata a questão da violência como um problema como sendo responsabilidade de todos: da União, dos estados, dos municípios e da sociedade. Um problema da magnitude e da complexidade que a criminalidade se tornou no nosso país, não há como se combater de forma isolada.

– Não havia nada sendo feito antes com esse perfil no País?
– É uma experiência pioneira, inovadora e consegue fazer um aparato institucional que até antes não tinha sido visto. Na fase de elaboração do programa, nós fizemos mais de 70 colóquios só em Brasília e chamamos todas as entidades, sociais, ocips (organizações civis públicas) e ongs que tinham serviços prestados à comunidade, principalmente na área social, na prevenção para dar seu depoimento e contribuir com todas as suas ações, com o know how que tinham desenvolvido. Fizemos o planejamento estratégico com a participação de todos.

– O que a cidade que tem o perfil para se enquadrar no Pronasci deve fazer para aderir ao programa?
– A partir do momento que são identificados os critérios de adesão – tanto o município como o Estado pode solicitar a adesão. É ter os critérios e encaminhar o pedido de adesão ao Ministério da Justiça.

– Há recursos para garantir que essa idéia não fique apenas no papel?
– O pronasci, sofreu um contingenciamento de R$ 900 milhões, mas o ministro Tarso Genro (da Justiça) conseguiu reverter isso junto ao ministro Paulo Bernardo (do Planejamento) e há duas semanas o ministro Paulo Bernardo informou que o programa receberia sua verba na íntegra. Para este ano temos R$ 1,46 bilhões para executar em segurança pública no país.

-Esses recursos vêm de qual fonte?
-Desde a concepção, os recursos foram pensados para saírem do Plano Plurianual (PPA) e todo o planejamento das 94 ações que o Pronasci prevê. Na verdade agora são 104 ações, a partir do momento que o Ministério das Minas e Energia passou a ser nosso parceiro também. A questão da iluminação pública como todos sabem é fator de violência também. Onde há terreno baldio e a iluminação pública não chega, os índices de criminalidade crescem bastante. Não temos financiamento nem do Banco Mundial nem de nenhuma outra agência técnica internacional. É dinheiro do orçamento.

– Como os técnicos chegaram a essa faixa etária de 15 a 24 anos para público alvo do programa?
– A tipificação criminal é muito própria, muito característica de cada cultura, de cada país. Na Colômbia, há uma série de localidades que eram comandadas pelo crime organizado do narcotráfico e que quando o braço do Estado alcançou aquelas comunidades que não tinham suas demandas respondidas, isso se modificou. A Colômbia é um exemplo. No Brasil, a criminalidade tem outras características.

Por exemplo?
– Uma socióloga da Universidade do Fundão no Rio de Janeiro começou a trabalhar nas favelas do Ro de Janeiro e chamou a atenção apara a ausência de telhados nas casas. O que é que isso? Foi até a favela do Complexo do Alemão e começou a fazer um trabalho que a agente chama dentro de uma metodologia que é de pesquisa-ação, que ocorre quando o pesquisador vai até a comunidade para interagir, numa verdadeira imersão. Ela aponta para uma série de hipóteses, mas a mais concreta é a seguinte: quando tu chegas numa favela do Rio de Janeiro, se tu vais tentar fazer um telhado, o comandante do crime organizado chega para ti e diz: olha nós bancamos a tua chapa, a tua laje. Você contra argumenta dizendo que quer o telhado, o chefe diz que você não pode fazer, porque a chapa, a laje, proporciona melhores condições para uma fuga.

– Há uma influência te na questão arquitetônica, urbanística?
– Exatamente. A Arquitetura é ditada pelas necessidades do crime organizado. E isso é uma questão muito própria do Brasil, porque em nenhum outro país do mundo, as favelas têm laje. Então, veja como a questão da cultura para a tipificação criminal tem desdobramentos que, muitas vezes, você não tem como compreender e não pode servir de parâmetros para outras comunidades.

– A maior característica da violência no Brasil decorre da pobreza mesmo?
– É um pool de fatores. E os principais são esses que a gente ataca com o Pronasci: a falta de educação, ou a baixa escolaridade da comunidade, a falta de condições de trabalho e de emprego, falta de acessos à cultura, à educação, ao lazer. Temos que pensar de uma maneira holística, interdisciplinar para tentar reverter esse processo.

Quando você analisa o dado estatístico, ele é frio, mas quando você olha para um dado você deve procurar saber o que vai além dele. Quando pensamos o Pronasci, começamos a ver o seguinte: a faixa etária que mais entrava para o narcotráfico era de 19, 20, 21 anos. Por que não era outra faixa?

– Se chegou a identificar por quê?
– Começamos a pesquisar e sabe qual foi à resposta? Aquele menino que sai do quartel, ele sai dela como? Sabendo manusear arma de fogo, respeitando a hierarquia e com uma compleição física bem melhor do que quando lá entrou. Isso para o crime organizado é o melhor profissional que ele precisa. Todas as características e qualificações técnicas eu o crime organizado precisa, o Estado, o governo prepara e dá de graça para ele.

– O que vai ser feito a partir dessa constatação?
– Nós pensamos num projeto, numa ação que se chama Reservista Cidadão. Aqueles meninos que saíram Serviço Militar e não engajaram recebem uma bolsa de R$ 180 e vão fazer cursos técnicos com no mínimo 320 horas para que se qualifiquem. Ele vai ter uma possibilidade de inserção no mercado profissional. Esse menino quer produzir, quer ser cidadão também e isso passa necessariamente pelo viés financeiro.

– Como o Pronasci incentiva o acesso à cultura, à criatividade artística?
– Em Brasília nos temos parcerias com os ministérios da Cultura e da Ciência e Tecnologia. No Ministério da Cultura tem um programa que incentiva pontos de leitura, bibliotecas públicas. O que fizemos? Fizemos a pesquisa dentro do bairro, de uma cidade que já aderiu ao Pronasci, e o Ministério da Cultura abre um edital e todos aqueles projetos de cultura, seja na área de dança, de música, de biblioteca comunitária, de folclore, de cantigas, ou seja, algo que tenha o sentimento, que a gente chama na sociologia de pertencimento, de fazer parte da sociedade, aquele projeto é encaminhado ao Ministério da Cultura, através do Pronasci, que financia. É assim também em Recife, em Rio Branco, etc. Tudo que envolver cultura e seja direcionado ao nosso público alvo de 15 a 24 anos.

– E o que é o tele-centro, que também está previsto no Pronasci?
– O tele-centro é uma sala com dez computadores, com banda larga, com todas as instalações para proporcionar a essa comunidade, esse público alvo, o acesso a era digital, a famosa inclusão digital. Já temos tele-centros em Porto Alegre, em Brasília, em Recife e em várias outras.

– Outro objetivo do programa é a modernização do sistema de segurança pública e a valorização de seus profissionais e a reestruturação do sistema prisional…
– O Pronasci não pensou só no víeis social, mas também no viés de repressão e de qualificação de seus profissionais. Todos os profissionais envolvidos no aparato de segurança pública, que têm salários abaixo de R$ 1.800 teriam direito a uma bolsa de R$ 400 reais/mês para que pudessem se qualificar profissionalmente e pudessem garantir recursos maiores em seus salários. É o Bolsa Formação. E para receber essa bolsa, o profissional tem que fazer um curso virtual, entre os mais de 70 que são oferecidos por ano.

– E como é feita a ressocialização do jovem, que é outra ação prevista no Pronasci?
– Esse jovem que cai na criminalidade tem que ter atendimento diferenciado, porque senão ele na prisão vai aprender mais, se qualificar do ponto de vista do crime. Nós propomos estabelecimentos penais especiais para o jovem de 18 a 24 anos. Lá o jovem terá um módulo de saúde, de educação, de informática e esporte, porque nós acreditamos que aquele jovem que está em risco iminente com a lei ou que já caiu na criminalidade tem uma possibilidade maior de ressocialização.

– Como é o funcionamento dentro da prisão especial?
– Quando ele cai nesse módulo especial, nesses estabelecimentos penais diferenciados, ele vai ter possibilidade de renda, em projetos de fabricação de material esportivo. Ele vai aprender um ofício, aula de informática, saúde, esporte e lazer diferenciados dentro do próprio presídio. Esse jovem é mais fácil de ressocializar do que algum outro apenado que já caiu duas, três, quatros vezes na prisão.

– O Pronasci também tem um alvo nos direitos humanos. Como essa questão é abordada?
– Direitos humanos para nós passa pela questão da saúde, da educação, da cultura e principalmente acesso à Justiça, que hoje infelizmente ainda não temos. Em Brasília colocamos a Promotoria de Justiça dentro de uma comunidade extremamente carente que se chama Itapoã. Por quê? Porque em Brasília para você sair de uma região para outra para conseguir um atendimento para ter acesso à Justiça, você demora uma hora, uma hora e meia.

– O combate ao trabalho, e a exploração sexual infantis também são alvos do Pronasci?
– Esta dentro de nossa faixa etária de 15 a 24 anos. Para se ter uma idéia, Fortaleza entrou no Pronasci não porque tinha índices de criminalidade dentro daquele perfil de 50/100 mil, mas por causa do tráfico de meninas e jovens envolvidos em prostituição e principalmente por causa do turismo sexual.

– Como foi sua experiência no Banco Mundial?
– Eu trabalhei cinco anos no Banco Mundial na Coordenação de Planejamento, Monitoramento e Avaliação de Projetos e saí em 2007 a pedido do Pronasci. Ajudei a pensar o Pronasci, fui um dos formuladores da proposta e também coordenei o programa no Distrito Federal e em sete municípios do entorno e em Goiás. Estou voltando agora para mais uma temporada no Banco Mundial, para fazer uma avaliação do Projeto Vigisus – Projeto de Modernização de Vigilância e Saúde, que é um acordo de cooperação do Banco Mundial com o Governo Brasileiro, que foi inclusive aprovado pelo Senado. A tendência é que ele seja executado por mais quatro anos, além dos oito já em execução.

– E como está a Paraíba no Pronasci?
– A Paraíba é um sonho do meu coração. Quero trazer o Pronasci para cá, com suas 104 ações. Já foi sinalizado positivamente a inserção de João Pessoa no programa. Estamos esperando para que, se tudo der certo, a gente possa firmar parcerias com a cidade e desenvolver os projetos aqui.


Luiz Carlos Sousa

FONTE: Jornal Correio da Paraíba

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