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CARTILHA DA PF ENSINA A BOICOTAR INQUÉRITOS

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Como forma de protesto, agentes da Polícia Federal (PF) distribuem entre colegas uma espécie de código de postura interna a ser adotado dentro do órgão. Entre os itens deste manual, os agentes recomendam aos colegas que boicotem inquéritos policiais e dão dicas de como atrasar as investigações. O texto também recomenda que os agentes não trabalhem fora da escala regulamentar; evitem sair em missões em áreas de risco por “falta de manutenção periódica de fuzis” e se neguem a analisar grampos telefônicos obtidos pela PF.

Internamente, o manual, ao qual o iG teve acesso com exclusividade, tem sido apontado por delegados como documento de boicote das investigações. Os agentes negam. Afirmam apenas que ele é um instrumento para manter as atividades da Polícia Federal dentro da legalidade, já que algumas atribuições que vinham sendo exercidas pelos agentes não estão estabelecidas em lei.

Esse código de postura, nomeado como “Operação Despertar” e elaborado pela Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), visa pressionar o governo federal a implementar uma reestruturação no órgão, defendida pelos agentes há aproximadamente dois anos.

Dentro dessa reestruturação, os agentes querem dividir a PF em três áreas: polícia técnica, responsável por laudos e perícias, sob comando de peritos; polícia administrativa, responsável por medidas como a expedição de passaportes; e polícia judiciária, esta a ser comandada por delegados. Nessa estrutura, os agentes teriam um poder interno maior que o atual.

A cartilha com as 18 orientações a serem adotadas pelos policiais federais é apontada pelos agentes também como forma de protestar contra supostos abusos e atos de assédio moral atribuídos por eles aos delegados. Em vários trechos, o manual afirma que os delegados não estão preocupados com a segurança e a integridade física dos agentes.

Um dos primeiros itens desse manual prevê que cada agente trabalhe com no máximo 100 inquéritos policiais. A ideia, conforme a cartilha, é provocar a “inanição nos IPLs (sigla pra inquérito policial)”. Ainda como forma de boicote aos inquéritos e dica para atrasar as investigações está a recomendação para que os agentes não analisem os conteúdos dos grampos telefônicos, sob a justificativa de que esse é um trabalho dos delegados.

Parte dessa recomendação foi adiantada pelo iG no início do ano, em reportagem que mostrou o acirramento da disputa interna entre agentes e delegados. No documento da Operação Despertar, os agentes afirmam que os delegados aproveitam-se do trabalho dos agentes. “Vem o dia da operação. Você se f… todo para tudo dar certo. Quando a prisão acontece, Elles (sic) – delegados – dão as entrevistas e ficam bem perante a mídia e a sociedade (…) Elles (sic) não sabem de toda a operação, somente superficialmente. Você fez 95% do trabalho mas elle (sic) ficou com a fama”, descreve o manual.

Outro item de boicote às investigações é a recomendação aos agentes para que exijam escolta armada em qualquer visita aos fóruns federais ou estaduais durante as investigações ou intimações. No manual dos agentes, a medida é uma reposta à “inércia à administração (…) com consequente atraso nas intimações/investigações, que alimentam o famigerado IPL (inquérito policial)”.

Risco

Outro ponto do documento recomenda que os agentes se recusem a “sair em missões em áreas de baixo, médio e alto risco, haja vista que não há manutenção periódica dos fuzis”. “Se há necessidade de levar o armamento longo, este tem que estar com a manutenção em dia, sob o risco de causar ‘pane de nega’ (falha no disparo), um acidente e/ou uma fatalidade”, descreve o manual.

Também existem sugestões para que os agentes não trabalhem isoladamente ou em dupla durante operações policiais já que a Escola Superior da Polícia Federal recomenda que a equipe mínima em operação seja de três homens. “Como não há comunicações adequadas (rádio de comunicação em viaturas e etc) e não podemos contar com reforços em situações de emergência, devemos nos adequar ao caos”, aponta a cartilha.

A cartilha orienta os agentes a não utilizar o telefone pessoal para comunicação funcional com o intuito de pressionar a obtenção de aparelhos a todos os agentes. “Nas (delegacias) descentralizadas ainda há a falta de estrutura e nem todas as salas possuem ramais. Mesmo as novas VTRs (viaturas) não têm rádio de comunicação. Assim, deixando de usar o seu telefone, a administração ficará estagnada até que providencie um sistema de comunicação adequado”.

Foram previstas, no manual, restrições para o exercício de funções que fogem ao trabalho dos agentes como o de “telefonistas”, principalmente nas delegacias não centralizadas. “A atividade traz risco de doenças e esta tarefa deverá ser realizada por terceirizados”, disse o manual, que emenda: “Assim, causaremos mais transtornos aos NPs (delegados de polícia)”.

Ainda sobre as questões administrativas, existe uma recomendação para que os agentes não trabalhem na escala de 24h por 72h (um dia de trabalho por três de folga), pois ela aumentaria a carga máxima de 40 horas semanais. “Ordem ilegal não se cumpre, existe jurisprudência sobre o tema”, afirma o manual.

O presidente da Fenapef, Jones Borges Leal, confirmou o teor do documento e afirmou que existe uma recomendação para que ele seja seguido, mas isso não é obrigatório. “Depende da postura de cada agente”, admitiu. “Não há definição sobre as atribuições de agentes, papiloscopistas e peritos previstos em lei. Queremos apenas é regular isso. Estamos buscando respeito ao nosso trabalho”, complementou Leal. “O nosso medo é haver invalidação de investigações por causa da falta de atribuição. Um advogado pode facilmente pedir a anulação de uma investigação porque um agente analisou uma interceptação telefônica sendo que ele não tem atribuição para isso. Nós queremos apenas trabalhar dentro da lei”, finalizou Leal.

FONTE:
Redação – IG

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